quinta-feira, 3 de março de 2016

Maria Luís Albuquerque contratada por empresa que negociou com o Banif

MIGUEL MANSO

A ex-ministra das Finanças integrará a administração da Arrow, a partir do próximo dia 7 de Março. A empresa está envolvida na avaliação de activos tóxicos do banco. A ministra nega qualquer "incompatibilidade" e não deixa o Parlamento.
A ex-ministra das Finanças vai ser
administradora não-executiva da Arrow Global, uma empresa anglo-saxónica especializada na angariação e recuperação de dívida pública e privada e de análise de risco. A informação foi revelada pela própria empresa, onde Maria Luís Albuquerque terá funções nas áreas de auditoria e risco.
O objectivo da sociedade, uma filial britânica do grupo norte-americano, é a aquisição com fortes descontos de activos detidos por sociedades financeiras, como créditos bancários ou divida pública. A seguir à reabilitação ou reestruturação esses activos são colocados à venda, com mais-valias. Em Portugal a empresa gere cerca de e 5,5 mil milhões de euros, tendo entre os seus clientes alguns dos principais bancos e seguradoras: Banif, Millennium BCP, Montepio, Santander, Banco Popular, entre outros. Maria Luís Albuquerque, nas suas funções de governante, tinha como competência a gestão de divida pública nacional e a salvaguarda do sector financeiro.
A Arrow Global Group PLC adquiriu  a meio do ano passado as sociedades portuguesas Whitestar Asset Solutions e a Gesphone, por 48 milhões e euros (a pagar em dois anos), cujos activos sob gestão em Portugal atingem 2300 milhões de euros. Em 2014 a Whitestar (gerida por John Calvão e João Ferreira Marques) comprou ao Banif cerca de 300 milhões de euros de crédito mal parado e com esta operação o banco obteve uma mais valia na ordem de 40 milhões. Em 2014, Maria Luís Albuquerque era a representante do maior accionista do Banif, o Estado português.
Mas a relação da Arrow com o Banif não fica por aí. A Oitante, que é a sociedade criada para “limpar” os activos tóxicos ao Banif, abriu um concurso para venda de créditos em risco e imóveis, no valor de 1500 milhões de euros. E contratou para avaliar o valor dessa carteira a já referida Whitestar. Do outro lado, entre as empresas que se propõem comprar esse activos está a Carval, do mesmo grupo Arrow, que acaba de contratar Maria Luís Albuquerque.
Por isso, a primeira notícia sobre este caso surgiu na conta do Twitter da líder do BE. Catarina Martins escreveu:  "Ao cuidado da comissão de inquérito do Banif…".
A meio da tarde de quinta-feira, Maria Luís Albuquerque emitiu um comunicado onde confirma ter sido contratada pela Arrow. "As funções que vou desempenhar são de natureza estritamente não executiva, isto é, sem participação nas decisões sobre negócios em concreto, em Portugal ou noutros países." Para a ex-ministra, o objectivo da sua contratação "é de aportar valor à empresa sobre matérias de enquadramento macroeconómico e regulatório ao nível europeu, sobretudo da Europa continental".
Porém, é o próprio CEO da Arrow que salienta o percurso político e as funções públicas de Albuquerque: “Maria Luís trará muita experiência de gestão de dívida e experiência internacional de gestão à administração”, afirma num comunicado Jonathan Bloomer, que recorda a experiência da “deputada em funções”.
"Nenhuma decisão tomada pela empresa no passado foi condicionada ou influenciada por qualquer tipo de decisão que eu tenha tomado", acrescenta Albuquerque. Quanto à sua permanência no Parlamento, Albuquerque não vê nenhuma incompatibilidade. Como não vê, também, ao assumir funções numa empresa privada que trabalha na área que tutelou no Governo há três meses e seis dias: "A função de administradora não executiva não tem nenhuma incompatibilidade ou impedimento legal pelo facto de ter sido Ministra de Estado e das Finanças e de ser deputada. Qualquer outra leitura que possa ser feita desta nomeação só pode ser entendida como mero aproveitamento político partidário."
O assunto deve agora ser apreciado pela subcomissão de ética do Parlamento, que o PCP chamou a intervir. "Tem havido demasiado tempo de promiscuidade entre o poder político e o poder económico e essa é uma mensagem errada que não se deve transmitir ao povo português. Os titulares de cargos públicos devem tê-los devidamente separados do poder económico", afirmou o deputado, citado pela Lusa. Logo de seguida, o líder parlamentar do PS apoiou este pedido de fiscalização: "Não é uma situação que possa ser displicentemente tratada. Terão de existir explicações sobre essa matéria", afirmou Carlos César.

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